A Lenda da Serra da Estrela

08-06-2009

Era uma vez um jovem pastor que vivia numa longínqua aldeia. Por único amigo tinha um cachorrinho, que nas longas noites de solidão se deitava a seus pés sem esperar nenhum gesto, nenhuma palavra. Sofria este pastor de uma estranha inquietação: cismava alcançar uma Serra enorme que via muito ao longe, as terras que existiam para lá da muralha rochosa que constituía o seu horizonte desde que nascera. E muitas noites passava em claro, meditando nesse seu desejo infindável…

Certa noite em que se julgava acordado, sonhou que uma estrela descia até a si e lhe segredava que o guiaria até ao objecto dos seus desejos.

Acordou o pastor mais inquieto e angustiado que nunca, e procurou no céu a verdade do que sonhara. Lá estavam todas as estrelas iguais a si mesmas, imutáveis e eternas aparentemente. Mas estava também uma que lhe pareceu diferente, a mais sua. Passavam-se os dias e o desejo do pastor aumentava, fazia doer-lhe o corpo, ardia-lhe febril na cabeça. De noite, todas as noites, procurava no céu a sua estrela diferente. E em sonhos ela aparecia-lhe muitas vezes desafiando-o, desafiando-lhe sempre a vontade. Mas a vontade por vezes é tão difícil…

Uma noite, num ímpeto, decidiu-se. Arrumou tudo o que tinha, e era nada, chamou o cão e partiu. Ao passar pela aldeia o cão ladrou e os velhos souberam que ele ia partir. Abanaram a cabeça ante a loucura do que assim partia à procura da fome, do frio, da morte. Mas o pastor levava consigo toda a riqueza que tinha: a fé, a vida e uma estrela.

E o pastor caminhou tantos anos que o cão envelheceu e não aguentou a caminhada. Morreu uma noite, nos caminhos, e foi enterrado à beira da estrada que fora de ambos. Só com a sua estrela, agora, o pastor continuou a caminhar, sempre com a serra adiante, e à medida que caminhava a serra ia sempre ali, no mesmo sítio e à mesma distância. Passou todas as fomes e frios que os velhos lhe tinham vaticinado.

Atravessou rios, galgou campos verdes e campos ressequidos, caminhou sobre rochedos escarpados, passou dentro de cidades cheias de muros e gente, mas a montanha dos seus desejos nunca a baniu do coração. Por fim, já velho alcançou a muralha escarpada que desde a infância o chamava. Subiu até ao mais alto da serra e ali pôde então largar o desejo do seu coração, agora em paz e sem desejo.

O horizonte era vasto, tão vasto e maravilhoso, a impressão de liberdade tão avassaladora que o pastor, sem falar, gritava dentro de si um hino de louvor que mais parecia o vento uivando por entre os penhascos rochosos de silêncio.

Instalou-se o velho pastor e a sua estrela com ele, no céu.

O rei do mundo, porém, ouviu falar naquele velho pastor e na sua estrela fantástica. Mandou emissários à serra: todas as riquezas do mundo daria ao pastor em troca da sua pequena estrela.

O pastor ouviu com atenção o que lhe mandava dizer o rei e, aceitou a proposta que o rei tinha para lhe oferecer. Então o grande pastor ficou com uma fortuna invejável e cobiçada por todas as pessoas que sabiam de toda a história.

O pastor, agora, cheio de dinheiro decidiu investir na zona da serra que tanto demorou a encontrar. Criou um espaço comercial na zona envolvente, no cimo da montanha a que chamou de "Torre". Comprou um carro para se deslocar a aldeia e uma moto 4x4 por causa da neve e assim já podia receber os turistas que se deslocavam para ir ver a neve, mas também para conhecer o pastor e a sua história de vida. Foi numa destas visitas turísticas que ele se enamorou por uma lisboeta chamada Estrela. Meses mais tarde casaram. Compraram um lindo cão da Serra e tiveram nove filhos: a Helena, com um aninho apenas e que está em casa com a mãe. Ana, com 7 anos e Tito com 9, que andam na Escola Primária; o Daniel, de 13 anos e o André de 15, que estudam na EB23 de Manteigas; o Gonçalo de 17 anos, que está no 11.º ano; a Jéssica de 25 anos, que dá aulas na escola da Ana e do Tito; a Marisa, de 40 anos, que mora na serra, ao pé dos pais, e trabalha na loja da Torre; e finalmente o Afonso, de 43 anos, que vende electrodomésticos na zona da Serra.

O pastor tinha uma enorme família, bastante unida e todos muito amigos uns dos outros. Anos mais tarde e com o poder do tempo, a mãe Estrela acaba por falecer, de doença crónica, sofria da diabetes. O pastor ficou triste mas sabia que a sua amiga estrelinha, lá no céu, cuidaria da sua falecida Estrela. O pastor ficou com uma idade muito avançada e quando o seu cão começou a dar os primeiros sinais de velhice, o pastor juntou-se às suas Estrelas com um sorriso de satisfação muito grande.

Os filhos sempre fizeram questão de contar aos turistas e às novas gerações aquela linda história de vida de seu pai, tinham muito orgulho na formação que lhes tinham deixado e, como forma de gratidão, a família nunca abandonou o negócio na Torre e foi passando de geração em geração.

Daniel Serra
Projecto Aprender a Escolher: Tou nessa!

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